11/07/2006

O Compadre Diabo

Um pobre jornaleiro tinha um compadre que era o Diabo, mas não o sabia; veio ele e disse-lhe:
- Tu és tão pobre! Sabes que mais? Lembra-me de te dar um grande campo para o trabalhares de meias comigo, com a condição que o que crescer para debaixo da terra há-de ser para mim, e o que crescer para cima da terra há-de ser para ti.
O jornaleiro aceitou o contrato, e foi trabalhar o campo e semeou-o de trigo. Nasceu muito trigo, que ele colheu no seu tempo, e disse ao compadre que fosse apanhar o que tinha crescido para debaixo da terra. O Diabo só achou raízes, e conheceu que tinha sido enganado pelo compadre. E disse:
- Já me não serve o nosso contrato, e se queres continuar há-de ser às avessas: o que crescer para cima da terra há-de ser para mim, e o que crescer para baixo é que há-de ser para ti.
O lavrador aceitou a condição e semeou o campo todo de batatas; deu uma novidade que era um regalo. Disse ao compadre que fosse apanhar o que tinha crescido para cima da terra, que era a rama da batata, e ele tirou muitos e muitos cestos de batatas, com que fez muito dinheiro. O Diabo viu que perdia sempre no jogo, e quis-se vingar do compadre:
- Ah velhaco, que me enganaste; mas eu é que te não deixo ficar assim; havemos de bater-nos e há-de ser às unhadas, que ao menos desta vez hei-de ficar de melhor partido.
O lavrador bem sabia que o Diabo tinha umas garras temíveis, mas como não podia escolher as armas já dava ao Diabo a cordada, e foi ter com a mulher, sem saber como se veria livre daquela alhada. Vai a mulher e diz-lhe:
- Deixa-o vir para cá, que eu o arranjo. No dia em que te vier procurar para brigar contigo, esconde-te, que eu é que vou falar com ele.
Chegado o dia, vem o Diabo muito furioso e bate à porta do compadre: - Aqui estou para irmos brigar.
Vem a mulher e diz: - Entre para aqui compadre, e espere pêlo meu homem, que foi amolar as unhas; olhe que ele sempre dá cada unhada! Aqui está a primeira que ele me deu...
O Diabo tal coisa viu, que botou a fugir com medo de ficar cheio daquelas arranhaduras, e nunca mais voltou lá.

(Ilha de São Miguel-Açores)
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português